terça-feira, 10 de novembro de 2009

Uma Classe que Voou...
(Conto de Minha Mãe)




Amigas/os

Passa hoje mais um aniversário natalício de minha Mãe, que, se ainda estivesse entre nós, completaria 89 anos de idade.

Tendo já assinalado este dia em anos precedentes dando algo a conhecer da sua história e publicando algum que outro poema ou texto – pois infelizmente ela destruiu a maioria deles – gostaria hoje de convosco partilhar uma pequena história, por ela escrita aquando da sua aposentação do Colégio Valsassina, em 1987.

Minha Mãe leccionou nesse Colégio como professora efectiva da então “4ª classe”, desde 1952 a 1987, com um intervalo de 3 anos devido ao meu nascimento em 1957. Mas já desde 1940 percorrera várias escolas, ensinando nomeadamente em pequenas aldeias alentejanas.

O ano passado aqui ficou um pequeno relato referindo-se às suas primeiras “lições”, dadas aos catorze anos, a uma pequenita de Estremoz, terra de onde minha Mãe era natural.

Este ano, aqui deixo mais um texto dos muito raros que dela me ficaram, e também dedicado aos seus queridos alunos – desta vez, os do Colégio Valsassina. Uma viagem imaginária, fantástica... uma classe inteira que "voou" nas asas do sonho de minha Mãe, quando teve de abandonar a "Aula" que foi a sua segunda casa durante quase cinquenta anos.




* * * * *


SONHO ou REALIDADE ?

“Uma classe que voou...”



...”Aquilo”, ali, estava mergulhado numa semi-obscuridade...
...Aos poucos se foram desenhando alguns contornos.


- Onde estava eu?
Por força tinha de estar na aula. Era aí o meu lugar de sempre! ...Mas... ah! - havia ali carteiras e das mais antigas...
Nelas, algumas silhuetas se desenhavam...


Tinham de ser dos meus alunos e também isto seria “por força”. Pois de quem mais poderiam ser?
Então era preciso começar a aula!


... Mas ... uma súbita mudança de nível nos sacudiu e surpreendeu. Então estávamos a levantar voo?!


- Tenho medo, murmurou uma vozinha de criança.


- Não sejas pateta! - lhe respondi. Parece-me que iremos fazer uma bonita viagem aérea...


Afinal, “aquilo” não era senão um esplêndido avião e nós estávamos numa sala com outros passageiros.
E todos se riam porque aquele amigo tivera receio de uma viagem assim... receio de uma viagem aérea!


... Lá, de cima, eu e a minha turma, podíamos observar a surpreendente beleza da superfície terrestre...
Era a verdura deslumbrante das relvas, e cor avermelhada dos arruamentos muito limpos serpenteando por entre jardins povoados de florinhas multicolores... mais ao longe , alguns aglomerados de casinhas muito brancas...


Tudo se ia esfumando numa bruma indefinida, não nos permitindo reflectir em pormenores que, certamente existiriam.
Bruscamente nova mudança de nível! Ai! Desta vez estávamos a descer vertiginosamente!


- Vamos aterrar? - perguntou alguém ao meu lado...


Houve apertos e encontrões mas todos riam. Riam, mesmo da cabeçada que eu dera, ali não sei onde e que me fizera apertar e cabeça entre as mãos!


A grande velocidade chegámos à Terra.



E sabem onde viemos aterrar?
Foi aqui, no Colégio Valsassina, e no “campo da bola”...
Não podia haver melhor lugar para as crianças ficarem e que felizes ficámos todos!


... Tudo tinha sido tão misterioso... Afinal estávamos num sítio seguro!

Este sonho levou-me a considerar que por vezes os sonhos poderão relacionar-se com factos reais.
Quanto a mim, concluo que, na realidade, houve uma classe que voou.
Voou a professora e logo voaram os alunos para a continuação da sua viagem.



Que a sua viagem real os conduza a bom porto e que, para todos eles, ela lhes seja tão profícua quanto o sentido da palavra possa sugerir.



Vocabulário “Fantástico”


Avião – sala de aula
Silhuetas - crianças (vultos)
Semi-obscuridade – indefinição do sonho
Apertos e encontrões – coisas que as crianças gostam de fazer...
Verdura com arruamentos – jardim da D.ª Marinela (Directora do Colégio nessa época)
Voo da Professora – foi-se embora...
Voo dos alunos – continuação das aulas com a nova Professora



Carlota/
( 1987 )








segunda-feira, 1 de junho de 2009

As Crianças e a Música

(Republicação modificada do meu Blog "A Flauta de Pã").


Sunrise, Sunset

Como hoje é o Dia da Criança, aqui está um post para miúdos e graúdos. Que melhor do que deixar falar oa mais pequenos, por exemplo sobre Música? Vejamos então algumas respostas dadas por meninas e meninos ingleses nas aulas de Música.

- Händel era enorme: era meio italiano, meio alemão e meio inglês.

- A Fuga mais maravilhosa foi protagonizada por índios a fugir de cowboys.

- Caruso começou por ser italiano; depois, alguém o ouviu cantar e disse que ele iria longe; por isso, partiu para a América.

- As palhetas do Clarinete são tão finas e frágeis que não servem para mais nada.

- A música cantada a duas vozes chama-se um duelo.

- O Xilofone é um instrumento muito usado, sobretudo para ilustrar o emprego da letra X nas aulas.

- Agnus Dei foi uma compositora famosa pela sua música sacra (esta é genial...)

E depois das opiniões musicais das crianças inglesas, vejam e mostrem aos mais pequenos este delicioso minivídeo dos PAGANINUS - Orquestra de Violinos do Conservatório de Setúbal (desligar previamente o player no início do post).

Balancé

Então para todos um óptimo Dia da Criança... sem esquecer, naturalmente, aquela que permanece em nós!

terça-feira, 26 de maio de 2009

***!!! BREAKING NEWS !!!***

***!!! BREAKING NEWS !!!***

***!!! NOTÍCIAS ESCAQUEIRANDO !!!***



INFORMAM-SE AS/OS INTERESSADOS PELO ESTADO DE SAÚDE DO MEU EX-CANINO, QUE O MESTRE DE SEM-CERIMÓNIAS FOI DE OPINIÃO QUE UM CANINO QUE ME FOI FIEL DURANTE QUASE 45 ANOS, É INDIGNO DE UM SIMPLES CONCERTO.

PROPÔS, ANTES, UMA COROAÇÃO NO ESPAÇO DEIXADO VAGO PELO INFELIZ EXTINTO, DE MODO A SEREM PARA SEMPRE RELEMBRADOS E CONTINUADOS OS ESFORÇADOS SERVIÇOS QUE ME PRESTOU DESDE A MINHA JÁ REMOTA 1ª INFÂNCIA!


APROVEM-SE, DEFIRAM-SE E CONSTAR SE FAÇAM ESTAS ESCAQUEIRANDAS NOVAS! (BREAKING NEWS)


A BEM DA REI-NAÇÃO!

ASPÁSIA PRU-DENTE DA CIRCUNSPECÇÃO CAUTELA

SUA FUTURA MAJESTADE D. π-CANINO II

(D. PICANINO II para quem não (se) viu Grego no Liceu:)

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Concerto de Dentadura

CARÍSSIMOS AMIGAS E AMIGOS DESTA ALDEIA BLOGAL E ARREDORES


VENHO POR ESTE MEIO PARTICIPAR, QUE, TENDO SIDO VÍTIMA RECENTEMENTE DE UMA QUEDA....... DE UM DENTE CANINO SUPERIOR DIREITO, SEREI AMANHÃ SUJEITA A UM DOLOROSO CONCERTO DE DENTADURA, MOMENTOSO EVENTO AO QUAL ESPERO SOBREVIVER MANTENDO INTACTA A MINHA I.....DENTIDADE!!!

ABAIXO PODEIS VER A SALA ONDE SE EFECTUARÁ O CONCERTO, E ONDE AMANHÃ ACTUAREI POR VOLTA DAS 16:00H, FICANDO A MESMA SITUADA NOS "ALENTOURS" DA QUINTA D´ALEMBERT.
ESTÃO TODOS CONVIDADOS PARA ESTE HETERODÔNTICO EVENTO PROTÉTICO-MUSICAL. QUEM JÁ FÔR "HABITUÉ" DESTAS LIDES, PODE LEVAR SOPAS DE LEITE PARA O LANCHE. TAMBÉM PODEM LEVAR OS VOSSOS CANINOS E FELINOS, POIS NÃO PAGAM BILHETE. POR OUTRO LADO, NÃO PODERÃO ENTRAR ESPECTADORES QUE TENHAM COMIDO DENTES DE ALHO AO ALMOÇO.

MAIS INFORMO QUE NA 2ª PARTE DESTE CONCERTO, O CONHECIDO "CROONER" CARLOS GARDOL INTERPRETARÁ "EL TANGO DEL DIENTE ARREGAÑADO", SOB O PATROCÍNIO DA PASTA WATERGATE.

LÁ OS ESPERO E ASSISTAM ENTÃO A UMA PEQUENA AMOSTRA DESTE CONCERTO, PARA LHES IR ABRINDO... A BOCA - DE RISO!




domingo, 3 de maio de 2009

Dia da Mãe 1960



O primeiro trabalho para o dia da Mãe, aos 3 anos, feito na Infantil do Colégio Valsassina, onde minha Mãe foi Professora da antiga 4ª classe, durante cerca de 40 anos.


sábado, 25 de abril de 2009

Defendamos
o Cravo de Abril !


Ó belo cravo de Abril,
querem fazer-te murchar.
Há para aí farsantes mil,
que só querem metal vil,
e a ti pretendem pisar.

Estes mandantes de agora,
sonegam a liberdade,
e andam pelo País fora
discursando a toda a hora,
mas não dizendo a verdade.

Foi há trinta e cinco anos
que nasceste entre canções.
Caíram por terra os planos
dos sequazes e tiranos
e abriram-se as prisões!

Eram tempos de alegria,
de dar as mãos e cantar
de pensar que a aleivosia,
a ganância e a cobardia
iam por fim terminar.

Mas que vemos hoje em dia?
Teus ideais espezinhados,
tristeza, melancolia,
desânimo e apatia,
nos pobres e desempregados.

Mas, cravo, não te amedrontes!
Ainda há, quem, sem temer,
por cidades, vilas, montes,
não esquece os horizontes
que tu abriste ao nascer!

Leonor 2009

sábado, 11 de abril de 2009

Boa Páscoa!

Desejando Boa Páscoa a todos, aqui deixo duas obras de dois ateus: eu e meu Pai, dedicadas à Paixão de Jesus, que ambos admiramos como Homem. Um desenho dos meus 13 anos, feito no Liceu, e um soneto de meu Pai, hoje com 94 anos, e que com ele concorreu aos Jogos Florais da Primavera realizados em Setúbal, em 18 de Abril de 1941, organizados pela Associação dos Antigos alunos da Escola Industrial e Comercial “João Vaz”, tendo obtido um 1º Prémio. Apesar de ser ateu, ele lá versejou de modo a fazer inveja a muito crente!!! O que deu azo a que um Padre surpreso, à altura, lhe perguntasse como era possível um ateu fazer tal soneto, a que meu Pai respondeu que o Poeta é um fingidor...

Vitral
Leonor Nascimento, 1970

(clique para aumentar)

Redenção

A Treva cai na Terra e vem impôr
pesado luto à turba que emudece.
No Gólgota, escalvado, a Cruz parece
a trágica visão da própria dor.

Crucificado, exangue, o Redentor,
de espinhos coroado, a Vida oferece,
em Santo Sacrifício, que trouxesse
a salvação ao Mundo pecador.

Debalde, ó lei humana, condenaste
Aquele que pregou a Lei dos Céus
e com ferro assassino O trespassaste!

Jesus rasgou da Morte os negros véus
e vencendo a mentira que afirmaste,
deu a Verdade ao Mundo: a Fé em Deus!

Rui Nascimento, 1941


domingo, 22 de março de 2009

Parabéns, Tia Ju!

À minha querida tia Georgina - a minha tia Ju - que hoje completa 74 Primaveras, desejo que esteja a passar um dia feliz, na medida que a saúde não a tem ajudado ultimamente.
Tia, Madrinha, Amiga, Companheira, Confidente e minha segunda Mãe, minha Tia tem sido a pessoa que mais me tem apoiado e compreendido ao longo de toda a vida.
Sempre presente para mim, nos momentos felizes ou trágicos que tenho vivido.
Sempre carinhosa, disponível, empenhada em ajudar todos os que com ela têm convivido ao longo dos seus 74 anos - seus Pais, seu Marido falecido aos 53 anos de idade, seus filha e filho, suas quatro netas e seu neto, sua irmã, minha Mãe, a quem tanto ajudou nos últimos anos de vida.
Seus alunos da Escola Primária de Santa Susana, aldeia para onde foi viver após o casamento e onde leccionava as quatro classes da antiga primária, simultaneamente. Seus amigos, vizinhos, ou mesmo simples conhecidos que dela se aproximaram doentes ou necessitados, nunca se foram embora sem uma ajuda moral ou material, uma palavra de conforto, de solidariedade, de apoio, quantas vezes deitando para trás das costas as suas próprias dores físicas ou morais.
Com muita pena minha e de meu Pai não a podemos abraçar hoje pois não se encontra connosco. Fica, também aqui no Jardim um grande beijo de Parabéns e votos de que a saúde lhe permita vir em breve e voltarmos a festejar o seu aniversário em nossa casa.
Recordações dos anos mais felizes da Tia Ju e da sobrinha Nonô

A primeira foto juntas, Évora, 1958

Jardim do Templo de Diana, Évora, 1959


Armação de Pera, 1960

No meu baptismo, Lisboa, 1961,

vendo-se meus falecidos Avô e Irmã.

No casamento de minha Tia, vendo-se meus Pais,
que também foram Padrinhos e meu Tio, o noivo.

Com meus tios, na sua casa da aldeia, 1964.
Minha Tia estava grávida e eu parecia estar também!


Uns momentos de descanso na casa da aldeia, 1964.

Praia da Rocha, 1972

Aldeia de S. Susana, 1976, com minha Mãe e prima.

Pedras da Rainha, 1983, com meus tios, primos e Mãe.


quinta-feira, 19 de março de 2009

Dia do Pai 1965

Os meus trabalhinhos para o Dia do Pai... o ano passado publiquei o de 1966, este ano encontrei há dias o de 1965, mesmo a tempo de sair aqui no Jardim na data certa.

Que todos, Pais e Filhos, tenham um bom dia, se possível em mútua e feliz companhia!








domingo, 15 de março de 2009

Muitos Parabéns, Maria!



Seja dia de alegria,
ternura e doce calor!
Pois faz um ano a Maria,
pequena flor algarvia,
nascida em campo de amor!

Vivas sempre a fantasia
de muitos sonhos em flor!
Desta Lisboa, Maria,
recebe, neste teu dia,
um beijinho da Leonor!


Grande beijo para a Vovó Isabelita Sophiamar e abraços para toda a família!

domingo, 8 de março de 2009

Obrigada, Amigo Jorge!



Pela lembrança, pela sensibilidade, pela amizade expressas
por estas lindíssimas flores no dia da Mulher!
Um abraço de amizade!



terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Testamento da Velha

Amigas e Amigos, hoje, dia de Carnaval, aproveito para republicar esta obra de meu Pai, que já tinha publicado no "Quintal" em 2007. Peço desculpa de não vos visitar há uns tempos, mas não ando muito bem de saúde e quase todo o tempo disponível tem sido para tratar obras do Pai.


Este é o meu testamento
que eu fiz neste momento
em que digo adeus à vida.
Sentia a garra da Morte
a apertar-me o gasganete,
terrível, qual diabrete.

Mandei chamar o vigário,
o médico, o boticário,
uma benzedeira d´olhados;
no momento derradeiro
apareceu o cangalheiro
e quatro gatos-pingados.

Já traziam o caixão,
fiquei cheinha de horror
e soltei tremendo berro.
Nisto, oiço o Sacristão:
“Pregunta o Senhor Prior
a que horas é o enterro”.

Toda a gente em alta grita
quer ser primeiro atendida;
vem de lá o cangalheiro
com um metro de carpinteiro,
quer tirar-me a medida.
“Espere lá – diz o Doutor –
não queira ser metediço;
deixe a velhota auscultar
e depois de eu receitar
faça então o seu serviço.”

O boticário, exaltado,
´té arrepela os cabelos.
E a benzedeira d´olhados,
p´ra afugentar os maus fados,
vai espetando novelos...

Já farta de confusões,
pus essa gentinha a andar
e pensei com os meus botões:
p´ràs minhas disposições,
vou o notário chamar.

E fiz este testamento
de bens móveis e imóveis
e até de semoventes.
Se não agradar a todos,
Sempre é certo que p´los modos,
Vocês são muito exigentes.


Deixo à antiga Direcção
coisas de grande estadão:
ao Amílcar, um capacho,
para a falta de penacho.
E agora sem piada,
esta deixa que é sentida:
que torne a amar a Vida
e recobre a cor rosada.
E não se vá de longada,
é também desejo meu,
para sítio ignorado;
antes volte ao Ateneu,
onde tanto é estimado.

Ao Pacheco relojoeiro,
deixo um disco bem gravado
com um discurso inflamado
p´ra convencer o parceiro.
Poupará muito dinheiro
aproveitando o seu tempo,
porque os dias estão maus.
E no fim de toda a prosa
diz o disco em voz chorosa:
“o concerto é 20 paus.”

Também ao nosso Guilherme
da Circuncisão chamado,
eu vou fazer um legado
que é mesmo de pasmar:
aqui lhe deixo ficar
um triste encargo, afinal,
é ir ao meu funeral
com cara de sentimento.
Como não sou egoísta,
E como ele é um artista,
se for só, nada lamento,
´té dispenso a multidão,
basta-me o seu rabecão
para o acompanhamento.

Ó Marques, tu marcas sempre,
tu marcas em toda a parte,
destacas de toda a gente,
tens elegância e tens arte.
O que é que eu hei-de deixar-te
que te alegre o rir já franco?
Como tens bom coração,
olha, aí fica um tostão
para as falhas lá do Banco.

Machadinho, querido filho,
já não chego a ser avó,
já não canto o sol-e-dó,
já não trauteio o estribilho.
E na hora de morrer,
certo voto vou fazer,
que vai espantar os mirones:
como tens linhaça e lata,
deixarás os Telefones,
passarás a diplomata.

E deixo ao Henrique Dias,
uma pedra de amolar,
onde ele sem arrelias,
possa a tesoura afiar.
E também lhe quero legar
um tinteiro e três canetas
que ele poderá usar
no jornal que vai fundar,
“O Almocreve das Petas”.

Não esqueço a Orquestra Pontes,
tão cheia de cor e vida.
Eu, uma velha carcomida,
quando a ouvia tocar,
ainda sentia ganas
de ir pular e dançar.
E pelos votos que faço,
verás tu, amigo Pontes,
que eu não tenho mau génio;
que toques por vales e montes,
contratado pelo Eugénio.
E já alta madrugada,
depois de muito tocares,
paguem à rapaziada,
além da massa fixada,
umas horas suplementares.

E deixo ao José Faria,
Uma garganta de prata,
pois, como tem muita lata,
´inda ópera cantar podia.
E indo abrir loja nova,
para endireitar a vida
vou-lhe dar uma receita:
nada venda por medida,
mas sim tudo obra já feita.
E aos sócios em geral,
eu quero dar um conselho:
passem ali p´lo bufete
que há lá um vinho velho
que é de tirar o barrete.

Ao Nogueira vou dizer
aqui, sem que ninguém ouça:
casa depressa com a moça,
não esperes envelhecer.
Se ela. já farta de esperar,
te vem a dar com a janela,
não tornas a encontrar
uma pequena como ela.

E falando das senhoras,
só elogios posso ter
à sua elegância e graça...
o perfume que perpassa...
enfim, todos estão a ver.
Deixo-lhes um grande valor
que poderão pôr à prova:
isto é, um filtro d´amor
do mágico Barzabum.
Mostrem do que são capazes,
façam ralar os rapazes;
quando eu era também nova,
não me escapava nenhum.

E tu, ó Pereira da Silva,
cada vez estás mais menino,
e como nasceste em Março,
´inda hás-de ser Marcelino.
Visto a vida estar bicuda
vais apanhar a taluda;
deixo-te uma benzedura
para curares a mordedura
que te deram certos cujos,
e assim poderes arejar,
espanejar e lavar,
processos velhos e sujos.
À Orquestra dos Fininhos,
alguns sambas deixaria
se soubesse que ainda dançam
o Macedo e o Faria.
Mas como um agora é tropa
e o outro anda arredio,
levo os sambas para a cova
e não solto mais um pio.

E ao Agostinho Albino,
eu cá não deixo nem bóia,
pois já tem muito de seu,
que desde a guerra de Tróia,
ainda não apareceu
neste mundo uma outra Helena
que chegue à sua pequena.

Ao Arnaldo então eu deixo
um bom vaporizador
e uns maus cheiros muito finos
que é para ele seringar
determinados meninos
que se juntam lá na loja
a fazer sala de estar.

Fialho, vou-te deixar
em honra ao teu bigodinho,
uma incumbência taluda:
escreve para o “Pensa e Estuda”,
que aquilo está muito fraquinho.

Ao animador Candeias
vou contemplar de tal modo
que até se vai derreter...
deixo este espólio todo:
uns sapatos e umas meias
que eram do Fred Astaire.

Ao Soares, sempre animado,
bom amigo que se tem,
deixo trinta corridinhos
para ele dançar aos pulinhos,
ele é que sabe com quem.

Ao Arôcha quero deixar
uma coisa que lhe preste
nunca será codilhado
sempre que tenha arranjado
quatro trunfos de Ás e Best.

Esgotados os meus haveres,
ao findar o meu sofrer,
no momento derradeiro,
´inda tenho um gesto terno:
entrego a alma ao Inferno,
deixo a carcaça ao coveiro.

VELHA GAITEIRA

(R.C.NASCIMENTO)

(Lido pelo Autor no ATENEU SETUBALENSE, Baile de Mi-Carême, em 22 de Março 1941)


(Aqui em baixo, o original, dactilografado em 1941.)



quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

O Amor há 70 Anos
(Carta de Amor por Procuração)

O Ungüento de Basalicão


Trago-vos hoje uma curiosidade alusiva à época CarnaValentina (eheheh...) que atravessamos!
Uma Carta de Amor, ou melhor, o seu rascunho, que descobri há pouco tempo, escrita por meu Pai há 70 anos, em Setúbal, a pedido de um amigo boticário, a quem faltava o engenho e arte para se declarar a uma bela menina, Maria Cecília de seu nome, que era soprano no Orfeão Cetóbriga, onde meu Pai também cantava.


Aqui podem ver as cinco folhas do "rascunho" original que ficou em poder do meu Pai até hoje. Naturalmente, terá sido "passado a limpo", antes de ser entregue à diva idolatrada pelo humilde boticário... Desde já aviso que a carta se encontra transcrita mais adiante, pois já a nossa amiga Elvira, que o não sabia, se deu à trabalheira arqueológica de ler as páginas do rascunho... um azar de 6ª feira, 13, como ela já comentou.







Parece que apesar das inspiradas linhas do procurador, a carta não surtiu o efeito desejado... e ao infeliz boticário não restou mais que aplicar "ungüento de basalicão" nas feridas de amor!...

E uns meses mais tarde, meu Pai revelou à amiga e colega do Orfeão quem tinha sido o verdadeiro autor da inflamada missiva. Parece que todos se divertiram muito com o caso, incluindo o preterido boticário Júlio!

(Segue-se a transcrição, respeitando a ortografia da época.)

******

Setúbal, 16 de Fevereiro de 1939

Excelentíssima Senhora

Eu quizera fazer calar no peito meu sofredor o sentimento insensato, porventura, que nêle nasceu e se enraizou de tal arte que me obriga a dar êste passo, a vir junto de vós, como o peregrino vai junto da capela longínqua, lançar-se aos pés da imagem da sua devoção, a implorar, a confessar.

A dizer-lhe da chama extranha e devoradora que reacendeu no meu ser e que é para mim, simultaniamente, a luz que me prende à vida e o fôgo que me há-de devorar até à morte.

Não supunha, minha senhora, que no contacto diário dos ungüentos e águas bóricas se não possam inflamar as paixões mais avassaladoras e imperiosas.

Um boticário humilde pode levantar seus olhos, quando nêles brilhe o fôgo sincero do amor, para a dama que lhe avassala o pensamento, como o crente mesquinho pode e deve! elevar para Deus seus olhos a transbordar da chama da Fé; como o rústico pastor olhou o Menino, filho de Maria Santíssima e nascido no palheiro redentor lá nas terras benditas da Judeia.

Quando dancei consigo, quando a ouvi, fiquei prêso e a desejar prender-me mais ainda.

O seu encanto perturbante, fascinador, qualquer coisa de inexplicável e dominadora, rendeu-me.

Olhar que tentaria o próprio José do Egipto, se êle tivera a ventura de a conhecer, como lhe resistiria eu, alma isolada do mundo, alma danada a refrear o anceio ardente do seu sonho entre hóstias de vários tamanhos e frascos de diversas embocaduras e misteriosos rótulos?!

Minha senhora, o sentimento que em mim despertou não podia, não devia ficar sepultado em meu peito, amortalhado no negro dominó que me disfarçava.

Nessa mesma noite ficou sabendo quem sou; hoje atrevo-me a confessar-lhe a minha esperança.

Se alguma estima pode ter por quem a adora e só a si vê, se a minha sincera confissão algum eco puder ter na sua alma, leve uma flor ao peito ao baile do Grémio.

Dessa Mão depende agora a felicidade que sonhei.

Esta carta escrita na quadra de folguêdos que atravessamos, poderia parecer brincadeira se a expontânia sinceridade das minhas palavras não fosse o penhor mais fiel da verdade de quanto lhe digo.

E termino, que já me estou alongando e o tempo urge. Agora mesmo entrou uma freguesa a comprar 5 tostões de basalicão. Pudera êsse unto balsâmico diminuir a amargura que trago no coração como há-de curar o furúnculo que ela tem na ponta do nariz!

Mas é impossível! Para o mal da minha alma o único basalicão é o seu amor!

Seu admirador sincero e apaixonado,

Júlio P.


NOTA: O unguento de basalicão (nome popular da planta basílico), usava-se no tratamento de furúnculos.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Memórias de Margarida, minha Irmã

Minha irmã Margarida aos 16 anos


Quadro (espelho) com o seu signo, Aquário


Amigas e Amigos

Passa hoje mais um aniversário natalício de minha irmã Margarida, falecida em 1972, que, se ainda estivesse entre nós, completaria 62 anos. Muito provavelmente teria o seu próprio blog e aqui andaria a fazer-nos companhia, partilhando alguns dos seus poemas, desenhos e ideias, como já fazia enquanto viveu, com os seus amigos de juventude. Só resto eu para transmitir algo das suas memórias, mas como ando prioritariamente a tratar de obras do meu Pai, como se compreende, dado a sua avançada idade, tem ficado para trás a obra da Margarida.

Minha irmã tinha muitos "hobbies", nomeadamente a leitura, e de entre esta preferia os autores de língua francesa e romance policial. Tendo enveredado pelo Direito e tencionando exercer a advocacia, ela gostava de seguir, nos meandros dos livros policiais, a perseguição, a descoberta e a punição dos malfeitores e criminosos.

Outras paixões eram escrever poesia, desenhar, pintar e a construção de réplicas de navios, que adquiria em caixas com centenas de peças em plástico que pacientemente pintava com enamel, colava e montava até o pequeno navio estar concluído até ao mais ínfimo promenor, reproduzindo o original. Dos três que havia construído à data do seu falecimento, ainda tenho um, algo danificado, e que um dia que tenha mais tempo tenciono reparar.

Pelos anos do Liceu Filipa de Lencastre, que frequentou sempre com bom aproveitamento e onde mais tarde eu também seria aluna, entre outras brincadeiras, escreveu alguns poemas humorísticos alusivos à vida liceal entre professoras e colegas, entre os quais escolhi este para vos mostrar. Claro que foi inspirado no famoso "Colchão dentro do Toucado" de Nicolau Tolentino.




Soneto

Lápis na mão, melena desgrenhada,
Batendo o pé no estrado, a senhora ordena
Que o furtado ponteiro, (a sua avena),
A aluna o ponha ali ou a empregada.

A aluna, moça esbelta e aperaltada,
lhe diz coa doce voz que o ar serena:
Sumiu-se-lhe o ponteiro? É forte pena;
Ai, e a senhora tão apoquentada...”

— "Vous repondez assim? Vous zombez disto?
Tu pensas que por seres boa aluna
Não te ponho na rua?" E, dizendo isto,

Levanta-se, avançando qual foguete.
Eis senão quando (caso nunca visto)
Cai-lhe o ponteiro do bolso do colete!



Margarida Nascimento

(anos 60)


Como se vê, também não lhe faltava humor, apesar de a maioria dos poemas que deixou ser em género mais sério.

Também deixo aqui três dos seus desenhos, feitos talvez ainda durante os anos do liceu. São os poucos que já digitalizei, mas ainda falta muito, nomeadamente algumas aguarelas em género japonês, que ela muito apreciava.



Armas de Camelot

A Equipa

O Mordomo