Era um pobre coitado,
esfomeado, esfarrapado.
Vivia em qualquer lado,
quase sempre embriagado.
Fumava, de olhar parado,
um cigarro já fumado.
Dormia, muito enrolado
em cartão, no empedrado.
Certas noites, acordado,
olhava o céu estrelado.
Um dia, foi apanhado
a roubar no hipermercado.
Para a esquadra foi levado
por um guarda avantajado.
Estava devedor ao Estado;
ficou, pois, engaiolado.
Para não morrer de enfado,
lia um jornal atrasado.
Cumprido o mês estipulado,
lá saiu, desengonçado.
Mas nada tinha mudado,
e voltou ao mesmo fado.
Vagueou, desinteressado,
vendo chover no molhado.
Já noite, parou, cansado
e abrigou-se num beirado.
Do frio anestesiado,
escorregou, ficou deitado.
No silêncio enevoado,
divisou um embuçado.
“Pode arranjar-me um trocado?”
- perguntou, num tom cantado.
O vulto tinha parado
e olhava-o, apiedado.
“Pode arranjar-me um trocado?”
- repetiu, esperançado.
Sobre o rosto levantado,
recebeu um bafo gelado.
E caiu, morto, de lado,
sussurrando: “Obrigado”.
Aspásia
8 comentários:
muito bonito e infelizmente muito realista.
beijo
Interessante, bom esforço.
Gostei do final, suponho que tenha sido um encontro com a morte personificada.
Não gostei foi do tipo ter ido preso, isto é, não gostei porque me parece que, em contexto, estar preso até não era mau de todo: ao menos o sujeito tinha três refeições, cama e roupa lavada.
Cumprimentos.
Olá
Acedi so seu blog via Murcon, (estive a "cuscar" os blogues dos participantes no Murcon- não explorei ainda os seus :-) mas gostei muito de ler os seus posts no Murcon.
Como disse a outras pessoas que lá escreveram, não é fácil resistir aos muitos desencantos da vida, cada um saberá dos seus, mas mal de nós se perdermos a ESPERANÇA.
um abraço!
P.S. Voltarei mais vezes para a ler :-)
Olá Aspásia, gostei especialmente deste poema! Despertou-me logo a atenção pelo título em si. É que fui conviadda a fazer parte de um projecto que aborda exctamente este tema e problema dos nossos dias, os "sem-abrigo". Em breve conto-te! ;)
Beijinhos***
Muito bonito e muito comovente.
Bom domingo.
Beijo
muito bonito
Boa semana
E quem não fica sensibilizado
Com este pobre homem, coitado?
Tu és uma poetisa... e está tudo dito :-))
Beijo, minha querida*
As saudades que eu já tinha de te ler nesse tom! :-)
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