terça-feira, 28 de novembro de 2006

PARABÉNS, ANTÓNIO GEDEÃO
*Entre Ciência e Paixão*
Parte II


(Devido à grande extensão do Post anterior, foi o mesmo dividido em duas partes.)

Também posso dizer que desde os bons tempos do Liceu Filipa de Lencastre, a Física foi a disciplina que mais me fascinou, tendo concluído o antigo 7º ano com média de 19 a Física, a nota mais elevada que alguma vez tive. E claro que esse fascínio perdura até hoje... tendo meu Pai, autodidacta também nesta ciência, nomeadamente na Física Relativista de Einstein, muito contribuído para esta minha paixão. Havendo cá em casa muitos livros sobre Einstein e a Relatividade, nos tempos do Liceu devorei-os quase todos.
Também recordo, aí pelos meus 7 ou 8 anos, de ver meu Pai a construir uma maquineta com tubos de alumínio e ímanes, onde por umas calhas deslizavam umas bolas de metal pesadas e brilhantes que ainda por aí andam... destinava-se este engenho a obter o movimento perpétuo... eu, claro, passei uma fase em que não largava os ímanes e as bolas de metal de vários tamanhos... infelizmente, o Pai não conseguiu o movimento perpétuo... mas foi uma boa tentativa!
Assim, achei por bem e sendo a Poesia outra das minhas paixões, dedicar ao Físico Rómulo de Carvalho e ao Poeta António Gedeão - que também me inspirou a fazê-lo - um poema já com alguns anos, onde tento, através da Paixão pela Ciência, chegar à Ciência da Paixão.


Minerva


Entre Ciência e Paixão

Espantoso mal me atingiu
um dia, quando não esperava;
tudo o que é Lei infringiu,
toda a Razão me fugiu
e hoje, do Amor sou escrava.

Vou entrar em confidências:
resposta para este Amor
fui procurar nas Ciências;
interrogar sapiências
de físico e pensador.

Ai de mim! Para mal meu,
não explicam esta paixão
nem Freud, nem Galileu,
nem Einstein, nem Ptolomeu,
nem mesmo o próprio Platão!

Corri então os poetas,
li romances com afã;
vidas de heróis e ascetas;
teatro de marionetas,
de Molière e de Rostand...

Continuei, pressurosa;
li Voltaire, li Descartes,
Nietzsche, Cervantes, Espinoza...
Qualquer poesia ou prosa,
filosofia ou arte.

Corri todos os museus,
exposições e concertos.
Vi Picasso, admirei Zeus,
ouvi Wolfgang Amadeus -
obras completas e excertos...

Estudei as religiões,
tantas quantas achar pude;
e fiz peregrinações,
jejuns e meditações...
Li a Bíblia e o Talmude.

O Alcorão li também,
e, para salvar a alma,
dei esmolas, fiz o bem;
mas não pude encontrar quem
me restituísse a calma...

Procurei na Biblioteca,
do Mar Morto, os manuscritos;
mas, mesmo virada a Meca,
não me surgiu um Eureka!
da leitura desses escritos...

Estudo a Pedra de Roseta,
já sei Sânscrito e Latim,
vão correndo a ampulheta
e a clépsidra obsoleta
nesta pesquisa sem fim...

Quer de noite, quer de dia,
devoro, afincadamente,
Matemática, Poesia...
História e Antropologia
leio até ficar doente...

Já ninguém me reconhece,
nem pais, nem primos, nem tias.
O tino já me falece,
já tenho a espinha em s
e subi dez dioptrias!

Ao microscópio analiso
as lágrimas que chorei...
E um relatório conciso
cada noite realizo
das penas que suportei.

E, telescópio na mão,
noite alta, no firmamento,
procuro a constelação
que se encontra em conjunção
com Vénus, nesse momento...

Infelizmente, porém,
não ponho fim neste enigma;
não resolvo esta equação;
e, nem por integração,
acho alfa, gama ou sigma...

Desde a Relatividade
à Teoria do Eu,
procurei com ansiedade
descobrir uma Verdade
que me tirasse do breu.

Já vi no televisor
tudo o que é curso em cassette;
sei operetas de cór;
fui para o computador
e liguei-me à Internet...

Apesar desta procura,
continuei ignorante;
de Amor, o mal não tem cura
e eu, que era tão segura,
vivo hoje periclitante...

E, fartas do turbilhão
que me avassala por dentro,
a Cabeça e a Razão
ordenam ao Coração
que mate este sentimento.

O Coração, no entanto,
responde: "Procurai mais!
Apesar desse quebranto
não me tireis deste encanto
em que também navegais..."

E presa nestes dilemas,
vasculho as Enciclopédias,
equaciono problemas,
demonstro leis, teoremas,
leio farsas e tragédias...

Com tanto estudo, afinal,
tirei três licenciaturas:
Quântica Medieval,
Genética Sideral
E Fisio-Literaturas!!!

E, apesar de não achar
para meu mal solução,
vou, para me graduar,
em breve, tentar tirar
Doutoramento em Paixão
...

Aspásia 94


sexta-feira, 24 de novembro de 2006

PARABÉNS, ANTÓNIO GEDEÃO
*Entre Ciência e Paixão*
Parte I

Porque o dia constrói-se; não se espera.

Rómulo de Carvalho


Celebra-se hoje o 100º Aniversário do nascimento do grande Homem, Cientista, Professor, Historiador e Divulgador da Ciência, Escritor, Filósofo e Poeta, que foi o Professor Rómulo de Carvalho.
A sua Obra, quer na faceta científica, quer poética, revela-nos um talento e um brilhantismo que não sei se foi igualado por qualquer outro Português.
Uma tão vasta obra abrangendo dois campos que normalmente são dissociados por mentes pouco criteriosas, como a Ciência e a Arte, não é fácil de encontrar neste País. Assim de repente vêm-me à ideia nomes como Egas Moniz, Agostinho da Silva e Abel Salazar, como outros Portugueses que dedicaram a Vida simultaneamente à Ciência e à Arte, mas não de um modo tão abrangente.
Aqui podem conhecer ou recordar a sua Biografia.


Um testemunho: a Professora de Física Regina Gouveia, vencedora do Prémio Rómulo de Carvalho em 2005.

A PROPÓSITO DO PRÉMIO RÓMULO DE CARVALHO

Não tenho palavras para descrever a emoção que sinto por me ter sido atribuído o Prémio Rómulo de Carvalho, personalidade que tive o privilégio de conhecer pessoalmente nas minhas andanças de orientadora de estágio. E se nessas andanças conheci essencialmente o metodólogo, já antes tinha conhecido indirectamente o professor através dos seus livros adoptados para os Trabalhos Práticos de Química do Curso Complementar dos Liceus, o divulgador através das suas histórias (do Átomo, da Radioactividade, etc), da sua Física para o Povo, bem como outras obras de divulgação, o poeta através de toda a sua obra que me fascinou desde
o primeiro poema que li num número da revista "O Tempo e o Modo" e o ficcionista que conheci mais tarde. Qual destas vertentes me fascina mais? Escolha difícil mas talvez opte pelo poeta pois na sua poesia ele é simultaneamente o poeta, professor, o formador, o divulgador, o humanista.
Por tudo isto sinto, com a atribuição deste prémio, uma responsabilidade acrescida e o receio de não estar à altura do mesmo. Felizmente partilho-o com outros. E permitam-me que nesses outros destaque Ana Carla Campos também vencedora e Paulo Santos, menção honrosa. Tenho o prazer de os conhecer pois tive o privilégio de ser orientadora de estágio de ambos. Com Ana Carla Campos tenho mantido um contacto próximo pelo envolvimento em projectos comuns. O seu entusiasmo é contagiante.
Esta partilha com os demais vencedores e menções honrosas como que me aligeira um pouco a responsabilidade de que há pouco falava.
E é por causa dessa mesma responsabilidade que gostaria de acrescentar aqui algo, correndo o risco de não ser politicamente correcta. Vem isto a propósito da carga horária não lectiva dos professores. No caso dos professores das áreas das Ciências não seria bem mais eficaz a permanência na Escola se fosse obrigatoriamente dedicada à preparação e optimização das actividades experimentais a desenvolver com os alunos? É que com a carga horária que passa a ter, o professor vai dispor de pouco tempo para essas actividades, o trabalho experimental, tão necessário face ao insucesso dos alunos em áreas de Ciências, sai prejudicado.
Poderá argumentar-se que muitos professores não dão qualquer relevância à componente experimental. É verdade.
Mas, se por um lado creio que correspondem a uma minoria, por outro tenho a certeza que as medidas propostas em nada vão melhorar o seu desempenho na referida área. E mais grave ainda, os professores que até agora investiam fortemente na experimentação vão-se ver a braços com o tempo disponível para a preparação da mesma.
Também, e no que respeita às aulas de substituição que tantos problemas estão a gerar nas escolas, se visam evitar tempos mortos para os alunos, então seria pedagogicamente muito mais correcta e eficaz a oferta de projectos onde os alunos se pudessem inscrever e para os quais haveria sempre um professor disponível, disponibilidade decorrente das suas horas não lectivas. As disciplinas com componente experimental teriam aqui uma palavra importante a dizer. Na minha escola foi criado o Espaço Ciência Aberta visando precisamente ocupar os alunos de uma forma salutar e não desprovida de sentido. Só que a criação destes espaços implica planificação e essa não foi pensada nas medidas propostas superiormente.
Perdoem-me este desabafo mas ele emerge dum enorme gosto pela Física e pelo ensino da mesma e este, para ser eficaz, implica entusiasmo, dedicação, disponibilidade, rigor, responsabilidade.
O professor ajuda a construir e isso sugere-me o poema "Escopro de Vidro" de Gedeão.


ESCOPRO DE VIDRO


Estou aqui construindo o novo dia
com uma expressão tão branda e descuidada
que dir-se-ia não estar fazendo nada.

E, contudo, estou aqui construindo o novo dia
Porque o dia constrói-se; não se espera.
Não é sol, que deflagre num improviso de luz.
É um orfeão de vozes surdas, um arfar de troncos nus,
o erguer, a uma só voz, dos remos da galera.

Cantando entre os dentes um refrão anidro
abro linhas quentes com um escopro de vidro.
Abro linhas quentes sem tremer a mão,
com um escopro de vidro de alta precisão


In Poesias Completas, António Gedeão

Regina Gouveia


* * * * *




Pedra Filosofal
Poema de António Gedeão
Música e Int.: Manuel Freire



(continua)

quinta-feira, 23 de novembro de 2006

Trovas Soltas



A Vida é luta infindável
que todos querem ganhar;
mas vencer é improvável,
por isso, é aconselhável
com perspicácia jogar.

Muitos houve que trilharam
caminhos de perdição;
outros que desesperaram,
corpo e alma destroçaram,
por obter libertação.

Tenho sede de Absoluto
e ânsia de Perfeição…
Eu sou diamante em bruto
que sonha a cada minuto
na sua lapidação.

Se dizem que ele houve um Deus
que de Si me copiou,
rasgarei da noite os véus
e indagarei dos céus
se esse Ser me originou.

Se é loucura querer saber
e pecado querer amar,
pecadora quero ser
e, alienada, sofrer
escárnio da gente vulgar.

Procuro fazer crescer
o pouco que tive em sorte;
quero amar, rir e sofrer
− pois não é por não viver
que terei perdão da Morte.

Aspásia 98

terça-feira, 14 de novembro de 2006

"El Diluvio que Viene"



Nota: Podem ler o resumo desta comédia musical através dos links no Post abaixo.

segunda-feira, 13 de novembro de 2006

Parabéns, Mãe!
( Adendas ao Post Precedente)

Foram incluídas no Post precedente as seguintes hiperligações:

A comédia musical "El Dilúvio que Viene" - baseada na peça "After Me the Deluge" de David Forrest; musical italiano original "Aggiungi un Posto a Tavola" estreado no Teatro Sistina, em Roma, em 1974; versão em Castelhano, estreada em Madrid, em 1977, ocasião em que minha Mãe e eu assistimos à sua representação; reposição da mesma, em Valência, Barcelona e Madrid, em 2005, com um novo elenco.

Este musical esteve também para ser apresentado em Portugal, no fim dos anos 90... mas não houve possibilidades... infelizmente...

Ouçamos duas faixas deste musical:



Un Nuevo Sitio Disponed
(Que Viva La Amistad)

Faixa 1 do Musical "El Diluvio que Viene".




Bella Noche Sin Sueño

Faixa 8 do Musical "El Diluvio que Viene"



Nota: Estão disponíveis, através do eMule, todas as canções e um clip de vídeo amador de 54 m (550MB) deste musical. Aconselho vivamente. Basta colocar "El Diluvio que Viene" na caixa de pesquisa.

Foi ainda incluída a hiperligação


sexta-feira, 10 de novembro de 2006

Parabéns, Mãe!

Primeira Foto Mãe e Eu

A nossa primeira foto juntas... 12/10/57


É hoje o dia dos teus anos. Como já cá não estás há uns tempos venho escrever-te, pois também há tempos que não o faço… deves estranhar… sempre que estavas fora eu sempre mandava um postalzito cheio de saudades da tua filhota.

Tu bem dizias que eu me ia lembrar muito de ti… e é claro que lembro, Mãe. Inclusive se me lembro de alguma lenga-lenga ou cantiga que às vezes dizias, aponto logo. Como era aquela? “ Ti Ana, velha mulata, / entre outros bicos tinha / uma formosa galinha / que punha ovos de prata.” E outra… “Mas Rom-Rom fingindo ó-ó / no capacho ao pé do tacho, / vendo que não estava só, disse: / Ó diacho! Desaparece, parece, a comida do meu tacho…” Eram mais, as quadras… só fixei estas… devia ter escrito, mas havia pouco tempo ou não calhava… ou eu pensava que íamos ter mais tempo juntas para estas coisas… e depois a foice cortou o teu tempo mais cedo que nós esperávamos.

O Pai está bem… sempre agarrado ao Xadrez, já sabes, ao violino às vezes, ao Diário de Notícias e à livralhada… não se consegue desobstruir a mesa da casa de jantar, como tu tanto querias… eu às vezes dou um jeito mas daí a três dias já parece outra vez a Torre do Tombo…. enfim, o Pai sente-se bem assim, deixá-lo… já teve tantos desgostos na vida, não liga a certas ninharias…

Sabes, agora voltei para o pé dele. Já está numa idadezita, apesar de boa saúde… pode precisar de mim, de repente. De vez em quando vou à minha casa, saio, etc., mas voltei à base. A filha pródiga…
A tia está com muitos problemas familiares para lá… não conseguiu vir nem mesmo para os anos do Pai, nem os meus.

Lembro-me dos bons tempos em que davas aulas no teu colégio de sempre, desde a sua fundação pela D.ª Susana nos anos 30… o Valsassina, e eu, com 3 ou 4 anos lá na Infantil atirei com uma pedra para cima de um pavilhão baixo… mas devo ter sobrestimado a força do meu bracinho… e lá se foi um vidro de 2 metros quadrados… fiz um berreiro com medo… mas o Sr. Dr. Frederico não te fez pagar nada. Também eras a melhor professora da primária… os teus alunos eram sempre os mais bem preparados… muitos deles tinham distinções… ainda havia exames da 4ª classe e da Admissão aos Liceus, e nesses dias lá ias tu com eles para fazerem o exame. Hoje muitos deles são médicos, engenheiros, políticos de renome… o Rui Salvador foi para os touros… e o Torrado para a Rádio… o filho do realizador Fonseca e Costa é que não sei o que faz... filmes é que não é.

Depois as nossas praias… as primeiras, S. Pedro de Moel, em 1958, eu tinha 9 meses, nem saía do carrinho e a 2ª, a Foz do Arelho, no ano seguinte… aí já molhei o pezito e andei no baloiço… a minha irmã Margarida, tua enteada, também ia connosco… afinal deixou-nos aos 25 anos… quem diria que ela ia antes de ti…

Carlota e Leonor Armação de Pera 1961

Em Armação de Pera - 1961


Depois em matéria de praias, começou o Algarve que aqui a costa atlântica era muito fresca e nebulosa… foram quase 10 anos seguidos em Armação de Pêra… lembro-me de tu e o Pai dançarem no plateau do café do mini-golfe, enquanto eu via se me insinuava com outras pessoas fingindo que era da família delas, para entrar lá no mini-golfe…

Carlota e Rui Sevilha 1959

Como tu gostavas de dançar... - Sevilha 1959


Passou-se o tempo, entre estudos, o piano (a D.ª Fernanda Chichorro já faleceu há 2 anos, mas a D.ª Sofia ainda é viva e mora em Fátima… tenho de ver se a visito, antes que se vá também, já terá quase 90…) brincadeiras, férias no Alentejo e depois o meu curso no Técnico… olha a D.ª Margarida de Abreu, colega do Pai nas récitas musicais, onde ele cantava e ela dançava entre os outros colegas deles, faleceu há um mês… lá se foi a minha Professora, embora por pouco tempo, de Ballet… lembras-te quando apanhávamos o eléctrico 6 e depois o elevador da Glória para irmos para o Conservatório? E estava lá um frio naqueles vestiários… mas eu era tragalhadanças para o Ballet e sempre maior que as outras da mesma idade… e pronto lá fui antes para o piano para a D.ª Sofia Virgínia na Calçada do Grilo… há semanas andei a ver essa casa abandonada e já semi-arruinada e tirei umas fotos antes que desapareça… os pedaços do meu passado, estão a começar a ruir… os de pedra, enfim… o pior são os pedaços das almas que os habitavam…

Também visitei em Junho a D.ª Lurdes, das camionetas do Valsassina… felizmente essa é rija e não vai mal para os 77, parece, que já tem… desde o dia do teu funeral, que eu não a via… agora mora em Miratejo. Falámos claro da nossa visita à Madeira a casa dela e do corropio que foi para numa semana se ver a ilha de lés-a-lés… só faltou o Porto Santo…


Mãe e Eu FERRAGUDO 1972

Depois de um belo almoço em Ferragudo - 1972

Ontem andei aqui a dar volta a roupas tuas, a coisas, papéis… ainda está cá tudo… voltei ao meu quarto, durmo no mesmo sítio onde faleceste, embora, claro, a cama articulada voltou logo para o SAMS… há poucos dias é que apanhei um grande choque… houve uma camisa tua que escapou à lavagem geral… e ainda tinha duas nódoas sanguinolentas… e pensar que já te foste há quatro anos e meio e ainda aqui havia sangue teu… deve ter sido de quando te dei alguma injecção. Vê lá, até pensei fazer uma preparação e ver ao microscópio… já sabes como é o meu espírito científico perante qualquer situação… mas não quis ser mórbida a esse ponto e a camisa lá foi para a máquina.

Dos teus RX de cinco anos no Hospital de Dia de Oncologia de Santa Maria ainda estão cá muitos… tenho de ver se os levo à farmácia… uma vez levei-os mas a campanha de recolha da AMI tinha acabado…

Quando telefonei ao Dr. Quintela a dizer que tinhas falecido, ele ficou como calculas… embora já se esperasse, já só estavas a sofrer… foi um grande Médico que tivemos e um grande amigo… ainda lhe disse que um dia lhe ia lá dar-lhe um abraço… ele disse “Não é necessário, Leonor…”, depois… o tempo foi passando e eu compreendi que não ia ter coragem de voltar a ver toda aquela gente, os corredores do hospital que palmilhávamos regularmente de 3 em 3 semanas com o pai muitas vezes a empurrar-te a cadeira e eu com o saco dos exames, que andava sempre pesado… a não ser que estivesses internada no piso 9 da Pneumologia, com alguma crise de atelectasia do pulmão direito… ainda foram umas 10 ou 12 vezes… o Dr. Feijó sempre te conseguiu desobstruir o brônquio direito até ao dia em que teve de te implantar uma prótese endobrônquica… mas depois a prótese também foi invadida pela metástese… foi o princípio da última etapa… de Quimio fizeste tudo de A a Z, inclusive já no fim o que na altura se fazia para o fígado e o pâncreas, o que não era o teu caso…

Que pena que as enfermeiras da Quimio devem ter tido… tão amorosas que foram… e a graça que elas achavam quando te punhas a recitar algum poema teu ou outro que sabias de cór… ou lhes contavas de quando em muito jovem fazias renda de bilros para ajudar o fraco ordenado de professorinha primária com 17 anos já fora da tua Estremoz… para ganhares para as tuas coisas que os Avós eram quase pobres… e o Avô metia-se na pinga quando saía da tanoaria e às vezes chegava a casa e queria bater-vos, em ti e na Avó… parece-me que não o chegou a fazer. mas quanto a gritaria havia de sobra… vocês fechadas no quarto e muito assustadas...

Lá boa cabeça tiveste até ao dia anterior a partires… até perguntaste o nome ao enfermeiro João, aqui no quarto quando te pôs o oxigénio… chamei-o pois eu sabia que não podias voltar ao hospital… só irias lá sofrer mais que aqui… depois, passadas 36 horas, quando o enfermeiro voltou para renovar o oxigénio e te ver, eram quase 10 da noite de 12 de Abril de 2002… tinhas ofegado todo o dia, já não falavas, não sei se ouvias, mas não reagias nem ao aperto de mão... e eu às tantas tinha notado que, embora tivesses o tubo do oxigénio no nariz, estavas a respirar era pela boca… então pensei, "o oxigénio assim não está a fazer nada"… eram uma 5 ou 6 da tarde e liguei ao enfermeiro a ver se te podia mudar o tubo do nariz para a boca… ele disse que sim e mudei… mas de nada adiantou… mais tarde pensei se eu tivesse visto isso mais cedo, terias tido mais oxigénio, se o tubo estivesse na boca? Talvez tivesses resistido mais umas horas provavelmente… talvez pela minha ignorância tenhas tido menos umas horas de vida? Mas já estavas em edema pulmonar e, apesar de teres um óptimo coração em todos os sentidos, a insuficiência cardíaca devido à hipóxia estava a acentuar-se… Foi o enfermeiro entrar e começarmos a ver que o teu ritmo respiratório ia baixando… eu nunca tinha presenciado um falecimento e disse ao enfermeiro “parece que está a respirar com intervalos cada vez maiores…” e pelo olhar dele percebi logo que tinha chegado a hora… a Tia estava já ao pé de nós e eu chamei o Pai a correr… “depressa Pai, dê um beijo na Mãe… está a morrer…” e todos te beijámos na testa, eu, o Pai e a Tia. Numa questão de mais um minuto o enfermeiro confirmou. 22 Horas de 12 de Abril de 2002.

Bem, Mãe, tu hás-de estar a pensar: “Ó filha não estejas agora a recordar essas tristezas todas… para onde te havia de dar! Já sabes como eu era uma mulher prática e de poucas pieguices… comecei na escola da Vida muito cedo… com 17 anos já estava hospedada num quarto e tinha à minha frente uma turma de crianças de aldeia de todas as classes da primária, para ensinar… Pensa é em levar a tua vida para a frente e divertires-te… na companhia do teu Pai, que felizmente, pelo andar da carruagem, ainda pode durar um bom par de anos…
Olha, eu lembro-me mais foi do dia em que tu nasceste… já havia uma semana que eu tinha ido assentar arraiais para a Associação dos Empregados do Comércio… com medo não viesses por aí disparada… mas passavam-se os dias e nada… muito dorminhoca tu já eras… depois sempre o foste… quando finalmente te deu para acordares do sono de nove meses e saíste, vinhas um bocado calada… foi preciso o grande amigo do teu Pai (às vezes tocavam juntos), o Dr. Eduardo Rosado Pinto, o irmão da pianista Maria Adelaide Rosado Pinto e ambos filhos do compositor e maestro setubalense Celestino Rosado Pinto (uma família que muito fez pela música na Cidade de Setúbal!) dar-te uns bons açoites… lá começaste então num berreiro… o Dr. Eduardo tinha umas belas mãos… aliás também tocava muito bem piano, embora não fosse profissional como a irmã…

Depois lá começou a via sacra das tuas caídas constantes à cama com constipações, febres e amigdalites… coitada, a minha filhota com 5 anos e grande pena nossa, foi amarrada à cadeira operatória e anestesiada com éter… debateste-te com uma força hercúlea, apesar de atada foram precisos o médico e duas enfermeiras para te segurar… depois da operação à garganta, que era moda nesse tempo, pelo menos vingaste-te bem a comer só geladinhos, uns feitos em casa outros que o Pai trazia quando vinha do Banco… dessa parte já gostaste!!!
Também me lembro que fomos muito às termas de S. Paulo que havia em Lisboa para fazeres tratamentos… ele era aerossóis, ondas curtas, ertc. e mal começava o calor ía logo contigo para S. Amaro de Oeiras, mesmo antes de irmos para o Algarve… que bons tempos, filha!”

Pois, Mãezinha… que bons tempos, e depois as idas a Madrid quase durante 10 anos, pela Páscoa por causa de ver se os teus olhos te permitiriam ainda trabalhar mais uns anos… o Dr. García Franco, da Calle Serrano, e as suas gotas miraculosas!!! O que é verdade é que chegámos lá contigo com 16 dioptrias… e na tua infância, quando se descobriu que “vias mal”, pois uma vez aí com 5 anos tinhas caído num tanque de barro ao nível do chão, porque pensaste que era chão também… e não fosse a tua amiga de brincadeiras ter gritado, ter-te-ias afundado no barro… e depois quando bateste na asa de uma panela com água a ferver… e aí vem a panela para cima do teu braço direito e parte lateral do peito… uma enorme cicatriz para toda a vida… às vezes o Avô ia contigo ao cinema, e tu pensavas que aqueles borrões de luzes e cores é que era o filme! Pois se nunca tinhas visto de outra forma desde que nasceste… quando foste para a escola, eras a melhor aluna e com melhor caligrafia, com o nariz em cima do caderno… mesmo na primeira fila não vias para o quadro, tinham de te levar tudo ao lugar… e assim passaste a escola até à 4ª classe, quando finalmente te levaram a um oculista em Évora, cerca de 1930… ora, só lá havia lentes até às 6 dioptrias e o senhor disse…”Esta menina tem uma miopia muito grande! Só em Lisboa é que haverá lentes para ela!”
Chegados a Lisboa, descobriu-se então que aos 9 anos já tinhas 10 dioptrias… lá te arranjaram uns óculos e começaste então a perceber melhor o que era o mundo afinal…

Bem, o que é certo é que depois em Madrid, o Dr. Franco conseguiu tirar-te 4 dioptrias! E a mim, que ia nas 2,5 baixou-me para 1,75… lembras-te que numa altura em que ficámos sozinhas no consultório dele despejei umas gotas dos dois principais colírios da desconhecida fórmula lá dele, que nem os filhos sabiam, para dois tubinhos que eu tinha levado? Era para mandar analisar aquilo quando chegássemos a Lisboa… a minha mania de analisar tudo! Mas não o cheguei a fazer… e ele levou as fórmulas com ele quando morreu, não gostava que o filho Luís fosse cirurgião ocular… e o filho ganhava mais dinheiro com cirurgias do que a pôr gotas nos olhos, não ligava às gotas do pai…
Mas também nos divertíamos, em Madrid! Eram os anos 70, 80… íamos ao Corte Inglés, ao Prado, ao cinema, à Zarzuela… e então aquele musical maravilhoso que tu adoraste e comprámos o LP? Era “El Dilúvio que Viene”… que maravilha… o "Padre" apaixonado pela "Clementina" cantava “Que pena que sea pecado y que el pecado termine así… Clementina, Clementina, oooohhhh!!!!” Um dia tenho que passar o LP aos novos meios e pôr um pouco no meu blog musical… e calcula que entretanto descobri que foi feita uma reposição em Madrid o ano passado! Acho até que já existe em DVD!!! Vou tentar arranjá-lo...

E claro, já viste que me meti nisto da blogosfera… tem imensa piada, mas também é preciso uma pessoa não se deixar obcecar… é como em tudo na Vida! Mas já fiz amigos, fui a encontros... estou agora a entrar numa grande amizade com uma Carlota... como tu! Também tem muitos problemas com os olhos...
Também não me esqueço dos belos tempos das Pedras da Rainha, quando tínhamos lá a casota... o 25 C... faz agora precisamente 10 anos, viemos de lá pela última vez... tu passaste o tempo a tossir e a vomitar nas viagens... nem pudeste ir a casa da Luisinha de Silves, a minha grande amiga das brincadeiras de Armação de Pera e que não víamos há 20 e tal anos... mas eu e o Pai ainda fomos... estavam todos bem, ela tinha acabado de ser mamã já com 37 anos... afinal a mesma idade com que tu o foste.
Quando viemos, lá deixámos a bichana cor de café com leite com os três pequenotes numa cabaninha improvisada e bastante comida... chovia muito e eu não quis vir sem eles estarem crescidinhos... foram os últimos hóspedes de incontáveis gerações de gatinhos do aldeamento que sempre que lá estávamos sabiam que tinham sempre na nossa varanda água, comida e festas... chegavam a ser aos nove e dez, lembras-te? Mas não os podíamos trazer... não tínhamos condições para ter gatos em casa, com a tua doença e o meu problemas dos olhos já havia muito que fazer...


ALMOÇO DOS GATINHOS P.R. 1988

Dando o almoço aos gatinhos - Pedras da Rainha, 1988



Depois passadas semanas de termos voltado a Lisboa, confirmou-se... depois de dez anos assintomática e dada como curada após mastectomia parcial, tinhas metastizado a nível do brônquio direito, couro cabeludo e metástese óssea difusa... a Dr.ª Marília que te seguia anualmente, ficou pasmada... depois de dez anos considera-se que houve cura... mas algo lá tinha ficado...
Tiveste azar... tivemos azar, Mãe... mas ainda tiveste bastante qualidade de vida durante mais três ou quatro anos... o último é que foi pior...

Mãe e Eu com as primas 1999

Nós com a tua sobrinha Gabriela e as filhotas - 1999


Olha Mãe, já deves estar cansadota… uma carta tão grande…e eu também tenho de descansar os olhos, como sabes… Vamos terminar em beleza com um soneto teu… minha grande marota, que os rasgaste quase todos! Mas ainda tenho esperança de encontrar pelo menos o “Farolito”, que ainda recitavas lá na enfermaria…

Depois, olha, vamos ouvir o Francisco José de que tu tanto gostavas… e duas faixas d´"El Diluvio que Viene", que também adoraste quando o vimos em Madrid, em 1977!
E olha, Mãe, vou escrever mais vezes… temos muita coisa a recordar… foram 44 anos muito bem passados juntas…

Primeira Foto Mãe e Eu

A nossa última foto juntas com a tua querida irmã e minha tia Ju, a quem nunca poderei pagar o auxílio e o carinho constantes que nos prestou na tua doença e ao longo de toda a nossa vida. Tia, minha segunda Mãe, um grande beijo.

* * * * *





La Mamma Morta (da ópera André Chénier de Umberto Giordano)

Maria Callas



* * * * *

Se…

Se eu tivesse o condão de possuir
a vocação inata de um pintor,
na minha paleta teriam de existir
beleza e fantasia, além da cor…

E se fosse possível conseguir
da minha inspiração, alto fulgor,
o rosto de uma criança, a sorrir,
eu pintaria, com extremoso amor…

Daria ao seu sorriso um tom divino
de matizes e reflexos luminosos…
e, ao seu olhar, a calma da bonança…

Por fim, daquele rosto de menino,
em cambiantes raros, primorosos,
faria irradiar a luz da esperança!

Carlota Augusta Franco Carapeta (1920-2002)


* * * * *



Teus Olhos Castanhos

Francisco José




Un Nuevo Sitio Disponed

Faixa 1 do Musical "El Diluvio que Viene"




Bella Noche Sin Sueño

Faixa 8 do Musical "El Diluvio que Viene



Mãe, despeço-me por agora, com estas belas canções... mas daqui a pouco ainda vou levar uma rosa ao sítio onde ainda resta algo do teu corpo. Sempre disseste que não querias que te levassem flores... mas desculpa lá... é também para ajudar a florista, a D.ª Felicidade, que já tem 85 anos e sofre muito do reumatismo, coitada...

Um enorme beijo da tua filha muito querida,

Leonor


Rosa Branca