quinta-feira, 23 de março de 2006

Take this Waltz


Em Viena há dez mulheres belas.
Há um ombro onde a Morte vem chorar.
Há um átrio com novecentas janelas.
Há uma árvore onde morrem as pombas,
quando já não conseguem voar…

Há um pedaço arrancado à manhã
suspenso na Galeria Gelada…
Ay… ay ay ay
Aceita esta valsa, esta valsa, esta valsa,
apesar da boca amordaçada.

Ah, eu quero, quero, quero ver-te
numa cadeira, lendo um jornal sem cor…
Numa gruta na ponta de um lírio,
num atalho onde não foi o amor…

Numa cama onde a Lua suou,
num grito de areia e pegadas…
Ay… ay ay ay
Aceita esta valsa, esta valsa, esta valsa,
cinge-a pela cintura quebrada…

Esta valsa, esta valsa, esta valsa, esta valsa,
com o seu hálito de brandy e Morte,
arrastando a cauda no mar…

Há uma sala de concerto em Viena,
onde a tua boca mil vezes cantou…
Há um bar onde os jovens se calam
porque o blues à Morte os condenou…

Ah, mas quem ousa escalar o teu retrato
com a coroa de lágrimas que acabou de tecer?
Ay… ay ay ay
Aceita esta valsa, esta valsa, esta valsa,
há tantos anos que ela anda a morrer…

Há um sótão onde brincam as crianças,
breve lá nos amaremos, tem de ser…
num sonho emoldurado por lanternas húngaras,
na neblina doce de um entardecer…

E verei que à tua tristeza acorrentaste
o teu rebanho e os teus lírios de neve…
Ay… ay ay ay
Aceita esta valsa, esta valsa, esta valsa,
com um “não te esquecerei, sabes?”, breve.

E dançarei contigo em Viena
e hei-de ir disfarçado de rio,
um jacinto selvagem no ombro,
e minha boca, lenta, bebendo
nas tuas coxas o orvalho frio.

E sepultarei a alma num velho livro
entre o musgo, lembras-te?, e as fotografias…
e à cheia da tua beleza lançarei
o meu violino barato e a cruz
onde me crucifico todos os dias…

E dançando haverás de levar-me
aos lagos que te brotam dos pulsos…
Meu amor, meu amor,
aceita esta valsa, esta valsa, esta valsa…
É tua agora. E é tudo.

[ Tradução livre de "Take this Waltz" de Leonard Cohen ]

L.N.95

quarta-feira, 22 de março de 2006

Enigma da Árvore


Na árvore que, agrilhoada à Terra,
altiva e temerária sonha erguer-se aos Céus,
qual a força, a chama, que afinal se encerra?
Será a Natureza? Será Deus??
L.N. 96

sexta-feira, 10 de março de 2006

É assim que vivem os Homens


É tudo uma questão de cenário
muda-se de cama e muda-se de corpo.
Será que vale a pena pois, afinal,
sou eu sempre que a mim próprio me traio.
Eu, que me arrasto e me disperso,
e a minha sombra que se despe
entre os braços sempre iguais dos homens
onde acreditei encontrar um berço.

Coração ligeiro, coração volúvel, coração pesado,
pois é muito curto o tempo de sonhar.
Que será preciso fazer destes meus dias
Que será preciso fazer das minhas noites…
Eu não tinha amor nem morada,
lugar nenhum onde viver ou morrer,
era eu que passava como um rumor,
e adormecia no ruído da madrugada.

Era um tempo sem qualquer razão,
os mortos estavam sentados à mesa
e fazíamos castelos de areia,
imaginando que os lobos eram cães.
Todos mudavam de ideias e de ombro.
A peça seria estranha ou não,
mas se eu não ia bem no papel,
era por falta de compreensão.

E é assim que vivem os homens
e os seus beijos seguem-nos de longe.

Era no bairro de Hohenzollern
entre o Sarre e a caserna
e como as flores da luzerna,
desabrochavam os seios de Lola.
Ela tinha corpo de andorinha
deitava-se no sofá do bordel
e eu ia deitar-me ao lado dela
ouvindo o soluçar da pianola.

O céu acinzentava-se de nuvens
e passavam bandos de gansos selvagens
anunciando a morte à passagem,
por cima das casas do cais,
de onde eu, pela janela, os via.
E o seu canto triste o meu ser invadia
e julgava eu nele reconhecer
um velho poema de Rainer (*).

E é assim que vivem os homens
e os seus beijos seguem-nos de longe.

Ela era morena e de pele branca,
os seus cabelos caíam sobre a anca,
e quer fosse Domingo ou de semana
a todos ela abria os braços nus.
Ela tinha olhos de faiança
e trabalhava com confiança
para um artilheiro de Maience
que nunca mais regressaria a França.

Havia outros soldados na cidade
e à noite também subiam os civis.
- Retoca o rimmel das pestanas, Lola,
que em breve também irás partir.
Só mais um copo de licor
e foi em Abril, de madrugada,
pelas cinco horas, que em teu peito
um dragão enterrou a sua espada.

E é assim que vivem os homens
e os seus beijos seguem-nos de longe.

* * *

(*) Rainer Maria Rilke

Tradução livre da adaptação de Léo Ferré do poema de Louis Aragon “C´est ainsi que les hommes vivent”.

quinta-feira, 9 de março de 2006

Ainda a Mulher


PALABRAS DE LA SATIRESA

Un día oí una risa bajo la fronda espesa,
vi frotar de lo verde dos manzanas lozanas;
erectos senos eran las lozanas manzanas
del busto que bruñía de sol la Satiresa:

Era una Satiresa de mis fiestas paganas,
que hace brotar clavel o rosa cuando besa;
y furiosa y riente y que abrasa y que mesa,
con los labios manchados por las moras tempranas.

"Tú que fuiste -me dijo- un antiguo argonauta,
alma que el sol sonrosa y que la mar zafira,
sabe que está el secreto de todo ritmo y pausa
en unir carne y alma a la esfera que gira,
y amando a Pan y Apolo en la lira y la flauta,
ser en la flauta Pan, como Apolo en la lira".
* * *
Ruben Darío (Nicarágua)

quarta-feira, 8 de março de 2006

Mulher

Mulher é vasto conceito,
mas direi, num improviso:
é nada… quando dá jeito;
faz tudo… quando é preciso.